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T Ó P I C O : Francisco Palheta: entre fatos e lendas

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Francisco Palheta: entre fatos e lendas


Autor: Eduardo Cesar

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Último comentário neste tópico em: 27/09/2018 09:05:45


Eduardo Cesar comentou em: 27/09/2018 09:18

 

Francisco Palheta: entre fatos e lendas

 

Revista Negócio Café - Por Eduardo Cesar*

Herói para uns, ladrão para outros, Francisco de Melo Palheta é o personagem mais conhecido da história do café no Brasil. E não é para menos, já que ele foi o responsável por trazer as primeiras mudas e sementes de café para o país, no ano de 1727.

Esse acontecimento é comumente citado em apostilas de barismo, palestras, blogs e até artigos acadêmicos. No entanto, isso é feito de maneira muito resumida. Boa parte dos textos que tratam da história do café no Brasil cita apenas as informações básicas do acontecimento, sem falar na confusão que existe entre fatos e lendas.

Dessa maneira, detalhes importantes sobre a missão que iniciou a cafeicultura brasileira, e o responsável por ela, são desconhecidos por muitos. É hora de mudar isso. A seguir, você encontrará um pequeno guia de perguntas e respostas que esclarece os pontos confusos da história.

A introdução do café no Brasil mudou a história do país

Francisco Palheta realmente existiu?

Pode parecer estranho, mas de tão repetida em sua versão simplificada, a história da introdução do café no Brasil adquiriu uma aura de lenda para algumas pessoas. O relato de um aventureiro que se infiltrou em território estrangeiro para obter a preciosa planta soa quase tão fantástico quanto aquele do pastor de cabras. E se Kaldi é apenas uma lenda, esse também não seria o caso do velho Chico Palheta?

O fato é que Palheta realmente existiu. A documentação que existe a seu respeito não é muito abundante, mas é mais do que suficiente para comprovar que ele atuou por muito tempo na região norte do Brasil, como militar a serviço da coroa portuguesa.

Quem foi Francisco Palheta?

Ele era filho de um militar português, o capitão de infantaria João Rodrigues Palheta. Sua data de nascimento é desconhecida, mas em 1691 já fazia parte do exército. O historiador Basílio de Magalhães supõe que ele tenha nascido por volta de 1670, em solo brasileiro.

Em 1709, Palheta recebeu uma sesmaria do governador do Estado do Maranhã e Grão-Pará. Tempos depois, em 1731, recebeu outra. O jornalista paraense Nélio Palheta, descendente do famoso militar, acredita que as propriedades ficavam na região do município de Vigia, no Pará.

lgreja da Madre de Deus, Vigia (PA). Alguns pesquisadores acreditam que Palheta nasceu e viveu nos arredores da cidade. Créditos: InfoPatrimônio/WikiMedia Commons, CC BY-SA 4.0

Entre 1722 e 1723, Palheta liderou uma importante expedição de exploração do Rio Madeira. Em 1727, cumpriu a sua mais importante missão: trazer café para o Brasil.

Sabe-se que foi casado e teve cinco filhos, além de ter sido um dos primeiros cafeicultores do país. A última notícia que se tem dele é de 1733, quando escreveu uma carta ao rei de Portugal. Não existem registros sobre a sua morte.

Como ele se envolveu com o café?

Em fevereiro de 1727, o governador do Maranhão e Grão-Pará, João da Maia Gama, nomeou Francisco Palheta como comandante de uma missão na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa. O objetivo era resolver uma disputa territorial entre portugueses e franceses.

Em meio a várias instruções sobre o que deveria ser feito, Maia Gama deu uma ordem muito peculiar, reproduzida abaixo da maneira como está no documento original:

E se acaso entrar em quintal ou jardim ou Rossa ahonde houver cafee com pretexto de provar alguma fructa, verá se pode esconder algum par de graons com todo o disfarce e com toda a cautella, e recommendará ao dito Cabo que volte com toda a brevidade e que não thome couza nenhuma fiada aos francezes nem trate com elles negocio.”

Portanto, foi o governador da região, que devia estar bem informado sobre o potencial econômico do café, quem ordenou a obtenção de sementes para iniciar o cultivo no país. E Palheta foi o escolhido para a tarefa.

Como as sementes de café foram obtidas?

Não se sabe como isso foi feito. Naquela época, os franceses estavam proibidos de vender sementes de café capazes de germinar. E os brasileiros e portugueses eram proibidos de fazerem negócios com os franceses.

No entanto, a missão foi bem-sucedida. O próprio Palheta, na carta de 1733, conta que conseguiu mais de mil sementes e quatro mudas de café, mas não detalha como. Uma possível explicação é que ele fez negócio com algum produtor francês, a despeito das proibições que recaíam sobre ambas as partes.

Assim que a expedição retornou, as sementes foram divididas entre os agricultores de Belém do Pará, dando início à cafeicultura brasileira.

Qual foi o papel da madame d’Ovilliers?

Palheta e madame d’Orvilliers em paródia do programa The Noite com Danilo Gentili. Créditos: Canal The Noite com Danilo Gentili/YouTube

Provavelmente, nenhum.

Existe uma versão fantasiosa e muito conhecida da história segundo a qual madame d’Orvilliers, esposa de Claude d’Orvilliers, governador da Guiana Francesa em 1727, teria colocado algumas sementes de café no bolso de Palheta. O gesto costuma ser descrito como um galanteio e a sua veracidade foi defendida por alguns historiadores. De concreto, o que se sabe é que nenhum documento oficial da época menciona isso, nem mesmo a carta de Palheta ao rei. Atualmente, essa versão é rejeitada pelos pesquisadores.

Qual foi o impacto econômico da introdução do café no Brasil?

O impacto foi pequeno nas primeiras décadas após 1727. O cultivo se espalhou rapidamente pelo estado do Maranhão e Grão-Pará, mas nunca chegou a ter grande importância econômica. A coroa portuguesa até concedeu alguns incentivos, como a isenção de taxas sobre a exportação de café, mas o cultivo não vingou. No final do século XVIII, o Brasil ainda tinha pouca relevância no mercado internacional de café. A situação só começou a mudar após a vinda da família real portuguesa para o país, em 1808.]

Palheta plantando o primeiro cafeeiro do Brasil. Cena do documentário “Sementes de Ouro Negro — a história de Francisco de Melo Palheta”. Créditos: Carlos Barreto/YouTube

Palheta ficou famoso após a bem-sucedida missão?

Não. Na verdade, o seu nome e os seus feitos ficaram esquecidos por quase 200 anos. Poucas décadas após o início da cafeicultura no Pará, um bispo que viajou pela região escreveu que as pessoas não souberam lhe dizer o nome completo do homem que trouxe as primeiras sementes de café. Elas sabiam apenas que o seu sobrenome era Palheta.

Muitos livros nacionais sobre café, publicados durante o século XIX, não mencionam o nome do militar. Alguns historiadores antigos foram capazes de identificá-lo corretamente como introdutor da rubiácea no país, mas quase nada se sabia a respeito da sua vida.

Foi apenas no início do século XX, e principalmente durante 1927, que muitas das informações apresentadas neste texto foram descobertas e divulgadas. A fama de Palheta é recente.

*O autor é editor da revista Negócio Café. Possui doutorado e mestrado em administração pela Universidade Federal de Lavras. Formado pelo Curso Superior de Tecnologia em Cafeicultura do Instituto Federal do Sul de Minas, campus Muzambinho.


Artigo publicado originalmente na edição nº02 da revista Negócio Café. Clique aqui para assinar gratuitamente.

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