T Ó P I C O : Variedades importadas de cafeeiro no Brasil – Gesha ou não Gesha?
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Criado em: 28/06/2006
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Variedades importadas de cafeeiro no Brasil – Gesha ou não Gesha?
Autor: Leonardo Assad Aoun
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Último comentário neste tópico em: 26/10/2018 07:06:48
Leonardo Assad Aoun comentou em: 25/10/2018 11:01
Variedades importadas de cafeeiro no Brasil – Gesha ou não Gesha?
Somos um Programa de Pesquisa em Cafés Especiais, inseridos no Instituto Agronômico. Desde 2009 estamos selecionando cultivares com sabores diferenciados para agradar paladares exigentes. QUALIDADE=GENÓTIPOxAMBIENTE. Café é ciência!!
Nos últimos dias, em vários eventos que participamos, temos recebido consultas de cafeicultores e demais interessados sobre a questão da legalidade da utilização de variedades importadas de cafeeiro para cultivo em território nacional. Como trata-se de um assunto polêmico, precisamos abordá-lo da forma mais imparcial possível, à luz dos conhecimentos técnico-científico atuais e em conformidade com a legislação brasileira atualmente vigente. Como aspectos mais importantes devemos citar pelo menos duas normativas do Ministério da Agricultura e Abastecimento (MAPA), para que possamos dar o devido embasamento legal à questão, onde uma refere-se ao tema “importação de sementes e mudas de café” e outra refere-se aos “procedimentos para propagação e uso de cultivares e variedades de espécies vegetais”.
- Instrução Normativa n° 52, de 1 de dezembro de 2016 – Publicação: D.O.U. do dia 19.12.16, Seção 1.
No Brasil é proibido a importação de sementes e mudas de café, com raras exceções. Essa instrução normativa revoga a Instrução Normativa n. 01 de 1998 e estabelece os critérios e procedimentos para importação destes materiais, a exemplo: deve haver prévia Permissão do Departamento de Sanidade Vegetal – DSV da Secretaria de Defesa Agropecuária – SDA; o interessado na importação deve estar vinculado a uma instituição ou empresa com atuação comprovada em atividades de pesquisa e experimentação; deverá ser feito procedimento de quarentena em Estação Quarentenária credenciada pelo MAPA, dentre outras.
A nova Instrução Normativa difere daquela publicada em 1998 em alguns pontos, pelo fato de que restringe a importação de materiais às instituições de pesquisa. Além disso, considera motivo para proibição de internalização do material a presença de pragas não quarentenárias regulamentadas acima do limite tolerado e estabelece requisitos para embalagens primárias e secundárias dos materiais. As determinações sobre as importações compõem ações que buscam a segurança fitossanitária do país, evitando que organismos que ofereçam risco entrem em território brasileiro, podendo causar prejuízos às atividades locais.
Segundo o MAPA, materiais vegetais devem passar por quarentena antes de serem internalizados. “O trânsito internacional de plantas, suas partes ou produtos é um dos principais meios de disseminação de pragas a longas distâncias. Por esse motivo, deve ser precedido de alguns cuidados para evitar a entrada inadvertida de organismos potencialmente perigosos”.
Portanto, à luz da legislação brasileira atual não é permitido a importação de material propagativo de cafeeiro, exceto para pesquisa. Qualquer coisa diferente disso não se enquadra na legislação. Está fora da lei!
2. LEI Nº 10.711, DE 5 DE AGOSTO DE 2003 – Dispõe sobre o Sistema Nacional de Sementes e Mudas e dá outras providências.
DECRETO Nº 5.153, DE 23 DE JULHO DE 2004 – Aprova o Regulamento da Lei nº 10.711, de 5 de agosto de 2003, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Sementes e Mudas – SNSM, e dá outras providências.
DO SISTEMA NACIONAL DE SEMENTES E MUDAS – SNSM
Art. 3º O Sistema Nacional de Sementes e Mudas – SNSM é composto das seguintes atividades:
I – Registro Nacional de Sementes e Mudas – RENASEM;
II – Registro Nacional de Cultivares – RNC (Art. 12. O Registro Nacional de Cultivares – RNC tem por finalidade habilitar previamente cultivares para a produção, o beneficiamento e a comercialização de sementes e de mudas no País).
III – produção de sementes e mudas;
IV – certificação de sementes e mudas;
V – análise de sementes e mudas;
VI – comercialização de sementes e mudas;
VII – fiscalização da produção, do beneficiamento, da amostragem, da análise, da certificação, da reembalagem, do armazenamento, do transporte e da comercialização de sementes e mudas; e
VIII – utilização de sementes e mudas.
“Dos Usuários de Sementes ou de Mudas
Art. 186. É proibido ao usuário de sementes ou de mudas, e constitui infração de natureza leve, adquirir:
I – sementes ou mudas de produtor ou comerciante que não esteja inscrito no RENASEM, ressalvados os casos previstos no § 2º do art. 4º deste regulamento; ou
II – sementes ou mudas de produtor ou comerciante inscrito no RENASEM, sem a documentação correspondente à comercialização.
Art. 187. É proibido ao usuário de sementes ou de mudas, e constitui infração de natureza grave:
I – utilizar sementes ou mudas importadas, para fins diversos daqueles que motivaram a sua importação, sem prévia autorização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; ou
II – utilizar sementes ou mudas de espécie ou cultivar não inscrita no RNC, ressalvados os casos previstos no art. 19 deste Regulamento.
Art. 188. É proibido, e constitui infração de natureza leve:
I – produzir sementes ou mudas para uso próprio, em desacordo com o disposto neste Regulamento e em normas complementares; ou
II – reservar sementes ou mudas para uso próprio de cultivares de domínio público, em desacordo com o disposto neste Regulamento e em normas complementares.
Art. 189. É proibido, e constitui infração de natureza grave:
I – reservar, para uso próprio, sementes ou mudas em quantidade superior à necessária para o plantio da área total na safra seguinte, ressalvados os casos previstos no § 2º do art. 4º deste regulamento; ou
II – transportar sementes ou mudas para uso próprio, sem autorização do órgão fiscalizador.
Art. 190. É proibido, e constitui infração de natureza gravíssima:
I – comercializar sementes ou mudas produzidas para uso próprio, ressalvados os casos previstos no § 2º
do art. 4º deste regulamento; ou
II – reservar sementes ou mudas para uso próprio de cultivares protegidas oriundas de áreas, viveiros ou de unidades de propagação in vitro não inscritos no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Feito essa introdução ao assunto, vamos agora contextualizar em termos práticos. No dia 21/10/2018 o Brasil acompanhou a etapa final do principal concurso de qualidade de café no Brasil, o Cup of Excellence (COE/2018) e surpreendentemente tivemos como vencedores duas variedades de café super conceituadas no cenário mundial.
De um lado tivemos a cultivar Catuaí Vermelho na categoria Natural. Essa cultivar representa uma revolução da cafeicultura brasileira por ser a primeira cultivar de porte baixo desenvolvida por melhoramento genético pelo emérito pesquisador do IAC, Dr. Alcides Carvalho. É altamente produtiva e está amplamente difundida no Brasil e em vários países produtores. Pouco se fala a respeito, mas a Catuaí Vermelho é uma cultivar genuinamente brasileira, desenvolvida pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC) em um processo de seleção que durou cerca de 30 anos e que foi lançada comercialmente nos anos 1970.
De outro lado temos a variedade Geisha ou Gesha na categoria Pulped Natural, originária da Etiópia e que fez sucesso no Panamá a partir dos anos 2004, sendo reconhecida mundialmente por ser umas das variedades que apresenta as bebidas mais complexas até então já vistas. Por representar excelência em qualidade de bebida foi trazida recentemente para ser cultivada no Brasil, onde realmente apresentou a mesma excelência já observada em outros países, o que comprova, como temos confirmado em nossas pesquisas no Programa de Cafés Especiais do IAC, o grande impacto do efeito varietal na determinação da qualidade sensorial do café.
No entanto, o que causou certa estranheza para muitos foi o fato dessa variedade não existir comercialmente no Brasil. Não está inscrita no RNC/MAPA, portanto não é reconhecida oficialmente como cultivar. Daí veio a dúvida que não quer calar: Geisha é variedade pirata ou variedade legal no Brasil? Difícil saber ao certo, mas no inicio do texto temos algumas informações para embasar nossas reflexões. Se os conceitos citados em legislação foram devidamente aplicados podemos considerar que a variedade é legal. Mas se não foram, não podemos. Ficam aí as dicas para reflexão.
É provável que poucas pessoas conheçam as atividades de pesquisa do IAC. Por isso devemos ressaltar que inúmeras variedades de cafeeiro arábica foram introduzidas no Brasil, por intermédio do IAC, na década de 50, através do serviço de quarentenário dos Estados Unidos, as quais integram o Banco de Germoplasma de café do IAC. Além da variedade Geisha existem cerca de 50 variedades importadas da África, Índia e América Central no Banco de Germoplasma da instituição. Algumas dessas variedades foram estudadas no anos 60 e 70 para avaliação de potencial produtivo no Brasil, sendo consideradas promissoras para melhoramento genético. Permaneceram por muito tempo sem serem devidamente avaliadas. Contudo, atualmente várias delas encontram-se em estudo em diversos ambientes dos estados de São Paulo e Minas Gerais para verificação de adaptabilidade e desempenho agronômico e tecnológico. Essas atividades de pesquisa são coordenadas pelo Programa de Cafés Especiais do IAC, por meio de parcerias publico-privadas para avaliação de interação Genótipo x Ambiente e indicação de materiais promissores para a produção de cafés especiais diferenciados. Os resultados preliminares são bastante promissores ao indicar a possibilidade de produção de cafés raros, acima de 90 pontos na escala da Associação de Cafés Especiais (SCA), mesmo em ambientes com altitude de 700 metros.
Pelo exposto acima, vamos ao ponto de desapontamento que muitos nos colocaram. Sabendo da existência de inúmeras variedades brasileiras de café, desenvolvidas a duras penas por renomadas instituições de pesquisa, podemos considerar razoável a utilização de variedades importadas e, provavelmente não regulamentada no Brasil, em concursos de qualidade de grande relevância como o COE? Podemos aceitar isso como normal ou seria algo passível de questionamento pelos próprios cafeicultores que não tem acesso a essas variedades importadas e confiam plenamente no uso das variedades brasileiras, a ponto de suporem que houve uma possível competição desigual?
Enfim, ficam ai as dicas do Programa de Cafés Especiais do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) para as devidas considerações e reflexões. Esperamos ter contribuído e ficamos à disposição para esclarecimentos.
Feliz café a todos!
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